Não se pode falar em unanimidade na composição da mesa de Natal Eslovena. Possivelmente fruto de nossa vida ancestral vivendo em grupos em montanhas, as vezes isolados geograficamente, levou os eslovenos a diferenças culturais diversas, dialetos, costumes, e a gastronomia. Assim, mesmo hoje, habitando um solo comum, muitos são os detalhes culturais. Mas a Potica, segundo estudiosos, dentre eles Janez Bogataj que já visitou nossa comunidade, é o denominador comum da mesa natalina. Mas ela não é o único prato.
Voltando um pouco, uma tradição antiga, é o preparo do pão da Natal, que paradoxalmente vem de tempos pagãos e era usado para celebrar a chegada do solstício de inverno, marcando o inicio dessa estação. No hemisfério norte ocorre em 20 ou 21 de dezembro, é a noite mais longa do ano. Era preparado com farinha branca simbolizava o desejo de saúde e abundância no ano novo. Saltando no tempo, vindo para a contemporaneidade, e deixando claro que aqui tentarei resgatar em exíguas linhas, um pouco do natal segundo o que aprendemos em nossa tradição oral em nossa casa no Brasil, apesar de 120 anos por aqui, autenticado por nossa experiência nas comemorações natalinas na casa de nossos parentes em Belsko (perto de Postojna, Notranjska). Certamente trata-se de um ritual em um pequeno vilarejo.
Apesar da brevidade que este texto requer, é preciso voltar um pouquinho no calendário atual dos eventos na Eslovênia para circunstanciarmos a mesa de Natal daquele nosso país. Entre o termino do Martinovanje (11 de novembro) até o Carnaval, acontece um período de uma tradição secular chamado de Koline. Em novembro, o trabalho na agricultura já terminou, o céu começa a ficar mais cinzento, as folhas amarelas, avermelhadas estão pelo chão, o frio se aproxima, quando as folhas são cobertas pelo tapete branco deixado pela neve no chão. A essa altura, nos campos, os alimentos já foram colhidos e guardados, in natura, ou por meio processos de conservação diversos. A fartura de ervas e raízes frescas para alimentar os animais também deixa de existir, é hora de diminuir o rebanho, principalmente os de pequeno porte. Acontece então o chamado Koline, que compreende o abate dos porcos e a preparação de muitas iguarias com as carnes obtidas: salames, linguiças, chouriços, carnes defumadas, salga do futuro presunto cru etc. O clima favorece da época propicia um ambiente de refrigeração natural, ideal para a manipulação, conservação e inicio do processo de cura das carnes. Mas o Koline não é apenas abater e produzir! Trata‐se de um ritual que em cada casa dura de 2 a 3 dias. É um evento de trabalho, gastronômico, mas também social, pois para ajudar chegam os vizinhos, amigos e parentes. São muitas tarefas acontecendo num clima de muita alegria, camaradagem, brincadeiras e alegria, potencializada pelo consumo sempre de algumas doses de aguardente de frutas (Šnops) e bons vinhos, as vezes de produção própria.
Embora, como escrito acima, esse período do Koline vá até o Carnaval, grande parte das famílias o realizam antes do Natal. Está aí uma importante fonte do abastecimento dos alimentos da mesa natalina. Em termos de cardápio, poderíamos dividir o conteúdo em três serviços:
- APERITIVO – um belo prato de produtos da carne fatiados, ou como nós chamamos aqui no Brasil, tábua de frios, contendo: carnes defumadas fatiadas, linguiças secas cozidas, salames, presuntos, queijos, zaseka (um tipo de patê de panceta defumada), ovos cozidos, raiz forte (hren), mostarda e diversos tipos de pão. Parte desses alimentos podem até ser consumidos antes mesmo da hora da ceia, para abrandar a fome.
- depois, como ENTRADA é servida a sopa. Normalmente um tipo de Consommé, (para alguns isso é um tipo de sopa rala!) um caldo feito a base de carnes bovinas e suína com ossos (cozidas lentamente) ao qual se adiciona macarrão caseiro ou bolinhas (Knödel) feitas com semolina ou farinha de rosca.
- e por fim, OS PRATOS PRINCIPAIS: salada verde com tomate e cebolas em rodelas, kranjska klobasa cozidas, costeletas ou lombos de porco assados com batatas coradas, chouriço, chucrute refogado, linguiças frescas assadas ou cozidas, perú ou frango assado e diversos tipos de pão. Certamente a variedade de alimentos na mesa pode ser maior ou menor, mas eu diria que no mínimo haveria alguma linguiça e carne suína assada, ou frita à milanesa, pão e vinho.
Mas não são só carnes, ou pratos salgados que compõe a mesa, doces também fazem parte importante. A Potica é sem dúvida rainha da noite, acompanhada de um séquito de bolachinhas, biscoitinho doces – (Božične Piškotke) e aí, a variedade de ingredientes e formatos é grande. Marcam presença as preparados com frutas secas, notadamente nozes. Outros tipos de doces, como as tortas também compõe a mesa. Tudo isso regado a bons vinhos, sucos e refrigerantes. Para os católicos professantes, a ceia é servida após a meia noite, ou após o retorno da missa do galo. O que sobra fica para o dia seguinte, quando as carnes assadas nem sempre aquecidas, normalmente são fatiadas e consumidas com pão.
À mesa da noite de Natal estarão presentes principalmente os familiares e parentes mais próximos. Isso não significa que os amigos não participem das comemorações e de suas delícias. Esses costumam passar pelas casas, na véspera ou no dia de Natal, para uma visita rápida (as vezes nem tanto!) para cumprimentar pela data, quando são recebidos com uma mesa onde estão frios fatiados, linguiças , pães e muito vinho. Depois de comer e de uma boa conversa, onde flui de tudo e a amizade é realimentada, lá se vão para outra visita.
Falei dos sabores, mas antes de fechar esse texto preciso falar de outros sentidos: olfato e audição. Na casa eslovena o aroma da Potica assando no forno marca o período festivo, e nos vilarejos, quando se caminha pelas ruelas estreitas sobre a neve, um festival de aromas pode ser sentido ao passar próximos às casas. Apesar das portas e janelas fechadas, a fumacinha que sai pelas chaminés exporta um pouco do delicioso aroma da cozinha, tudo isso, acompanhado de sons da sanfona das canções típicas. Talvez isso, em virtude que nossa memória olfativa, nos marque tanto quanto o sabor das mesas, e então, de vez em quando, mesmo longe dos vilarejos, do outro lado do oceano, pequenas rajadas olfativas vindas de não sei onde, nos fazem voltar no espaço e no tempo. Aí, a saudade pega!
Valdeir Vidrik
Dezembro de 2020
Vou fazer. Estava curiosa para saber a receita. Minhas avós sempre faziam no final de ano, só que era com abacaxi. Muitas saudades, tempos inesquecíveis…..